Do Senso Comum à Consciência Crítica


     A palavra "Filosofia" tem origem nos substantivos gregos "phylo" (amor, amizade, respeito) e "sophia" (sabedoria, conhecimento). Filósofo, portanto, é o amigo da sabedoria, amante e entusiasta do conhecimento. Não aquele que sabe de tudo, que já alcançou o conhecimento ou tem resposta para tudo, e sim aquele que busca o conhecimento pelo próprio prazer de conhecer. Para o filósofo, conhecer é um privilégio sem medida.
     Conhecer é tomar consciência da realidade, tornar-se consciente do mundo e dos acontecimentos a nossa volta. Conhecer e saber não são sinônimos, e, embora esses dois verbos sejam parceiros inseparáveis, nem sempre os sentidos atribuídos a cada uma destas ações são próximos e parecidos. Afinal, nem todos que "sabem" as respostas das perguntas apresentadas "conhecem" de fato o sentido de cada uma delas. O saber pode ser fruto apenas de memorizações intensas, resultantes de repetições exaustivas, enquanto o conhecer provém da reflexão, do confronto, da tomada de consciência.

     Essa diferença entre saber e conhecer estão presentes também na comparação entre "senso comum" e "consciência crítica", também conhecida por "bom senso". O primeiro (senso comum) pode ser compreendido como uma sabedoria de vida, resultante de longas e repetitivas experiências vividas ao longo de uma existência, enquanto o segundo (senso crítico) tende a ser visto como um conhecimento melhor elaborado. Para melhor compreender cada um deles, faremos agora uma breve descrição:
  1. Senso Comum é a primeira forma de conhecimento que temos do mundo. Conhecimento prático, adquirido no cotidiano, acumulado ao longo de toda a vida, visto facilmente como "sabedoria de vida", ou apenas "experiência de vida". Um detalhe importante para compreender o senso comum é que ele é essencialmente prático, dispensa a reflexão teórica, e se faz por meio de indução. É a porta de entrada que todos nós trilhamos rumo ao conhecimento. Uma pessoa que nunca frequentou a escola, por exemplo, pode não ter sido alfabetizada, mas isso não faz dela uma pessoa "burra" ou "ignorante". Pelo contrário, mesmo não alfabetizada, pode ter uma experiência de vida excepcional.
  2. Senso Crítico é um conhecimento melhor elaborado e profundo quando comparado ao senso comum. Tem origem no confronto entre teoria (reflexão teórica, crítica) e prática (experiência vivida). Enquanto o senso comum tende a valorizar apenas a prática e desconsiderar a teoria, o senso crítico procura dar a teoria e prática a mesma importância.  Tende a ser, portanto, um conhecimento mais profundo.
     Nas definições acima apresentadas, algumas informações relevantes merecem ser destacadas. Veja:
  • Apesar de prático e cotidiano, o senso comum é um conhecimento sem método. É facilmente convencido por aquilo que vê e ouve, e tem grande dificuldade para lidar com a dúvida e a insegurança. Busca sempre a segurança da certeza, a fim de garantir a sensação de estabilidade e proteção. Superstições e crenças, por exemplo, são próprios do senso comum.
  • O senso comum não é um conhecimento errado. Ele é, de todos, o que está mais sujeito e passível de erro. Em todas as descobertas do senso comum, o risco de erro é grande, e a chance de cometer graves equívocos é real. A maior causa disso está na desvalorização da reflexão teórica.
  • Apesar de estar sujeito ao erro, o senso comum não é um conhecimento inútil. Prova disso é que a consciência crítica é assim chamada por ser crítica de si mesma. Ela não ignora e nem discrimina o senso comum; pelo contrário, dá a ele grande importância. Por ser prático, desde que usado com moderação e juízo, os conhecimentos que são próprios do senso comum podem ser totalmente úteis.
     Conforme dito acima, o senso crítico é crítico de si mesmo. É característica constante do senso crítica o confronto entre ideal e real, teoria e prática, sonho e realidade. Vejamos um exemplo: a impressão de que o sol nasce e se põem todos os dias é uma impressão que tem origem nos sentidos (visão), pois vemos (visual) o sol nascendo de um lado e se pondo de outro lado da terra todos os dias.  
    Pelo sentido da visão, temos a nítida sensação de que o sol gira ao redor da terra, e ninguém precisa frequentar a escola para saber disso. Contudo, essa é só uma impressão, logo desmascarada por um conhecimento mais apurado e científico. Sabemos hoje que não é o sol que gira em torno da terra, mas a terra que gira ao redor do sol. A sensação visual de ver o sol nascer e se por todos os dias é, na verdade, uma sensação equivocada e enganosa, mas facilmente adquirida no dia a dia. A isso chamamos de "Senso Comum".
     O engenheiro civil é um profissional qualificado para construir prédios diversos (casas, comércio, etc). Graças a intensa qualificação profissional recebida no ensino superior, o engenheiro civil já não pertence mais ao senso comum e está hoje em um conhecimento melhor elaborado. Ninguém melhor que ele sabe que o sol não nasce e nem se põem diariamente, e que é a terra que está girando ao redor do sol. Mas, se ele não souber de que lado o sol "nasce" e "se põem" todos os dias, não saberá como posicionar de forma adequada a sua construção para melhor aproveitar a iluminação natural e assim economizar energia.
     A grandiosidade do engenheiro não está em saber que o sol está parado e nós girando, e sim na capacidade de relativizar e avaliar em que condições os conhecimento que é próprio do senso comum é necessário, e quando é necessário recorrer ao conhecimento teórico e dedutível. Em momento algum poderá ele desfazer-se do senso comum por considerá-lo ignorante e ultrapassado; ele só será um bom engenheiro se possuir juízo o bastante para avaliar com sensatez e equilíbrio qual a melhor escolha a fazer.

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