Salve-se quem puder

Não sou Jurista, nem Doutor em Ciências Políticas, mas um eterno estudante, sempre disposto a buscar fontes e informações relevantes para construir um conhecimento sólido e que resulte em uma compreensão melhor elaborada do assunto. Tenho muito receio dos "me falaram que", "ouvi dizer", ou "está todo mundo falando". Com todo o respeito que tenho aos meus leitores, tenho sempre em mente uma fala dita repetidas vezes por meu professor de Ética, durante a graduação em filosofia. Embora pejorativa, a expressão faz algum sentido e, se corretamente interpretada, tem muitas lições a nos ensinar: "cuidado com o que diz a maioria, porque a maioria é burra". 
Vamos aos fatos: o Brasil vive uma crise política bastante acentuada. Comparando essa realidade ao cenário internacional, vemos que o Brasil é um dentre tantos outros países que passam por situações semelhantes. Com origem marcada por uma história de colonização e governos autoritários, percebemos que há no país forte tendência conservadora na luta pelo poder. 
Por se tratar de uma República Presidencialista, o impedimento de um chefe do executivo (municipal, estadual ou federal) é previsto pela Constituição apenas em crimes de responsabilidade que atentem contra a constituição, conforme orienta o Artigo 85 da Constituição da República Federativa do Brasil. Insatisfação popular, incapacidade de governar, e crise política não são justificativas legais para sustentar um processo de impeachment, conforme apontado pelo próprio documento. São justificativas legais sim, em governos parlamentaristas, onde a estabilidade do chefe do executivo é menor, mas não no presidencialismo. Para responder o processo, o chefe do executivo tem de ter cometido um crime comprovado, tal como aponta o artigo acima citado.
Eis o drama: a crise política acentuada, marcada por inúmeras denúncias de corrupção envolvendo diversos partidos políticos (inclusive o partido governista) e uma suposta incapacidade de gestão por parte da Senhora Presidente da República. Digo suposta porque não estou aqui para julgar ninguém, e, por mais que essa tese seja sustentada por muitos, não podemos esquecer que parte dessa ingovernabilidade é também resultante da atuação do próprio Congresso Nacional.  
Em 2014, findadas as apurações das urnas, vários analistas políticos demonstram preocupação ao constatar que este é o Congresso mais conservador da história. Menos de dois anos se passaram, e muitos parecem ter esquecido disso. Mais recente que este fenômeno são as chamadas "pautas bombas", geradas e votadas pela própria Câmara dos Deputados em 2015, onde a intenção de "atrapalhar" a atuação política do governo foi aparente desde o início. A eleição do Deputado Eduardo Cunha para presidência da Câmara logo evidenciou que o governo não teria noites tranquilas de sono em suas relações com o legislativo.
Um olhar mais cuidadoso sobre as atribuições de cada um dos poderes pertencentes a República (Legislativo, Executivo e Judiciário) permite entender que a atuação desordenada do conjunto fere o funcionamento do todo, e a falta de entendimento entre as casas inviabiliza por completo a governabilidade de uma nação. O resultado disso é a crise política que presenciamos na atualidade.
Diante do aumento das denúncias de corrupção, seguidas da real possibilidade de por limites a histórica impunidade, notamos um desespero geral em grande parte do nundo político, algo comparado a um "salve-se quem puder". Vale de tudo, invocar a Deus, pai, mãe, tio, tia, filho, sobrinho, posar de cristãos empenhados na construção do reino de Deus, e, se nenhum desses atender, até Belzebú e Satanás. Se não há como salvar a pele de todos, a melhor estratégia é sacrificar um para que os outros vivam. Aqui está a origem da velha e conhecida tradição do "bode expiatório".
Atuante nas redes sociais, tenho acompanhado as frequentes demonstrações de ódio vividas vividas em épocas recentes. Demonstrações que lembram o "princípio da simplificação e do inimigo único", princípio número um da propaganda nazista, idealizada por Joseph Goebbles, ministro de propaganda de Hitler. Em poucas palavras, eis o que indica tal princípio: "Simplifique e não diversifique, escolha um inimigo por vez. Ignore o que os outros fazem concentre-se em um até acabar com ele" (fonte: Carta Maior). Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência.
A atual Presidente da República não é réu em nenhum processo, e não há nenhuma denúncia que pese sobre ela até o momento. O fato de nomes vinculados ao Partidos dos Trabalhadores estarem envolvidos em esquemas de corrupção não sustenta um processo de impeachment, a não ser que a própria Presidente da República também esteja de fato envolvida em tais esquemas, mas é preciso que tais envolvimentos provado, para só depois serem encaminhados aos procedimentos legais. Suspeitas não sustentam processos de sanções e punições. Ou será que o velho jargão do direito "todos são inocentes até que se prove o contrário" já foi superado e eu não estou sabendo?
Pelo que parece, os reais motivos que fundamentam o processo de impeachment estão fundamentados na crise política, na insatisfação popular com o governo e na suposta incapacidade de governar. Se o Brasil fosse um regime parlamentarista, tais motivações seriam mais que legítimas, situação que não se aplica em uma República Presidencialista. As chamadas "pedaladas fiscais" são utilizadas, ao que parece, para sustentarem um ar de legalidade a fim de ocultar as reais motivações.
A lista de nomes investigados por corrupção, crimes cometidos e réus em fase de julgamento é gigante. Mais da metade dos deputados que votaram pela abertura do processo está nessa lista. Não é sintomático que, diante de uma lista tão extensa, parte da nação brasileira deseje a cabeça de uma só pessoa? Mais estranho ainda é que um destes nomes seja o principal responsável iniciar o andamento do processo.
O fato é que quem rouba, corrompe, mente e engana a sociedade deve sim ser responsabilizado ou responsabilizada pelo que fez e faz. Ao praticarem tais atos, agem em liberdade, pois têm maturidade e conhecimento suficiente para saberem do estrago que estão fazendo. Devem, portanto, serem julgados e responsabilizados. Ainda assim, o direito a ampla defesa é assegurado a qualquer réu. Não entendo porque a Presidente da República seria diferente. Mas, condenar exclusivamente uma única pessoa por uma prática realizada por milhares, aí já é demais. 
E ainda tem gente que acredita que, após o Impeachment, o Brasil vai mudar. Será mesmo? Não sou profeta, e longe de mim querer prever o futuro, mas sensatez e "pés no chão" não faz mal a ninguém. Considerar a hipótese (antes de me julgarem por isso, leiam bem o que escrevi: hipótese) de que o impeachment da Presidente da República pode fortalecer a velha tradição conservadora  e colonialista do país é sempre válido.

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