Natureza ou cultura? Uma reflexão antropológica



            Animais pensam? Possuem inteligência? São capazes de aprender? De fato, algumas espécies possuem maior capacidade de aprendizagem que outras, e a capacidade de aprendizagem tornam tais espécies mais próximas daquilo que chamamos de “seres pensantes”. Próximos, mas não pensantes.
A relação entre comportamentos inatos e comportamentos adquiridos facilita a reflexão. Inatos são comportamentos que nascem de habilidades naturais, próprios da espécie. São formados pelos instintos. É o que acontece, por exemplo, quando observamos um João de Barro indo e voltando várias vezes ao ninho para montar a casinha. Embora pareça um comportamento inteligente, é apenas um comportamento biológico, pertencente ao mecanismo instintivo do animal.
            Comportamentos adquiridos são comportamentos não pertencentes a natureza da espécie, mas que podem ser aprendidos por qualquer de seus indivíduos. Não faz parte do mecanismo biológico, nem mesmo da natureza, mas, em algum momento, pode ser aprendido e desenvolvido. Diferente dos comportamentos inatos, comportamentos adquiridos refletem sinais de inteligência.
            Na escala da evolução, o ser humano é aquele que alcançou maior grau de desenvolvimento; os comportamentos inatos chegaram a capacidade mínima, quase zero, e os comportamentos adquiridos alcançaram amplitude máxima. Deste modo, nenhum indivíduo pertencente a espécie humana apresenta habilidades ou comportamentos naturais, tal como as abelhas ou as formigas. Carente de tais habilidades, surge a necessidade de aprender.
            Ainda na escala da evolução, algumas espécies animais alcançaram desenvolvimentos semelhantes, mas em menor grau. Algumas espécies, embora portadoras de comportamentos inatos, podem aprender comportamentos diferentes e surpreender seus observadores com reações estranhas a própria natureza. Contudo, embora capazes de aprender, não podem transmitir o que aprenderam aos seus descendentes. O conhecimento adquirido morre com o próprio indivíduo que aprendeu.
            A presença de comportamentos adquiridos em espécies animais é o que permite a domesticação. Nem todas as espécies são domesticáveis. Nem todas as espécies podem aprender comportamentos diferentes.  Entre as que podem aprender, há aquelas que a capacidade de aprendizagem é menor, e há aquelas que mais se aproximam da espécie humana em grau de aprendizagem.
            Se imaginarmos a escala da evolução na figura de uma pirâmide, onde a base representa a constituição dos comportamentos inatos, e a ponta representa os comportamentos adquiridos, não será difícil notar que a espécie humana encontra-se no lugar mais alto. Todas as espécies animais podem ser localizadas no interior da pirâmide, mas o lugar a que pertencem é proporcional a capacidade de aprendizagem.
           Comportamentos inatos são comportamentos provenientes dos instintos. Instintos são leis biológicas, comuns a espécies e que não apresentam mudanças de um indivíduo para outro. Quanto mais fixos e rígidos forem os instintos em uma espécie, maior será o padrão de comportamento presente em seus indivíduos.
           Comportamentos adquiridos, por outro lado, originam-se na ausência de instintos fixos e rígidos que garantam habilidades básicas a sobrevivência. Partem da inexistência de um padrão, e garantem maior flexibilidade de comportamentos entre indivíduos de uma mesma espécie.
           É nesta relação que está a espécie humana. Carente de um mecanismo fixo e rígido de instintos, a aprendizagem é máxima. Não tendo um padrão de comportamento a repetir, compete ao indivíduo aprender a viver sozinho, construir a própria conduta. Não dá para repetir o que os mais velhos viveram no passado; é preciso viver.
               Na espécie humana, é possível falar verdadeiramente em indivíduos devido a necessidade de autenticidade e originalidade existente entre eles. Há ainda uma última característica presente nesta espécie e ausente nas demais espécies animais: a transmissão de conhecimentos. Um chimpanzé pode aprender comportamentos humanos, mas não é capaz de transmiti-los a sua cria, e o mesmo vale para cachorros e gatos. Mas um humano pode transmitir.
            Falamos agora de cultura: um conjunto de valores, hábitos, comportamentos, linguagens, signos e representações simbólicas que aproximam os indivíduos da espécie humana. Não é um padrão (todo padrão é fixo), nem um instinto (instintos não mudam). Diante da necessidade de viver de forma autêntica e original, a cultura é uma referência para o aprendizado. Diante da ausência de um padrão que une a espécie, a cultura permite a aproximação dos indivíduos, por mais diferentes que sejam entre si.
            Enquanto em uma espécie animal há um padrão instintivo, na espécie humana há diferentes culturas. Dois cachorros de uma mesma raça, porém em lugares distintos, apresentam o mesmo mecanismo instintivo. Contudo, dois homens pertencentes a uma mesma família, quando vivendo em lugares distintos, podem desenvolver-se em valores, hábitos e representações simbólicas diferentes.
            Constata-se também, na espécie humana, a inexistência de um habitat próprio, de alimentação própria, e até mesmo de uma natureza. Embora tenha nascido e permaneça rodeada por ela, não a pertence. Incapaz de permanecer, tem de transformá-la para tornar possível sua existência. Estranho ao equilíbrio natural corre o risco de explorar, degradar e destruir a natureza.
            

Bibliografia

ARANHA, M. L. A; PIRES MARTINS, M. H. Filosofando. Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, M. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2011.
COTRIM, G. FERNANDES, M. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2010.







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