Lacunas Ideológicas na política atual

A corrupção é um problema sistêmico no Brasil; está presente desde a chega dos portugueses há mais de quinhentos anos, e não é preciso estudos muito rigorosos para entender que todas as fases presentes no Brasil-Colônia, Brasil-Império e Brasil-República foram, dentre outras características, marcadas pela corrupção. É fato que, em algum momentos, a corrupção é mais conhecida, o que não quer dizer que nos demais momentos ela não tenha existido. Pelo contrário; se não foram conhecidas, é porque foram simplesmente ocultadas. Por quê? Convido cada leitor e cada leitora a refletir sobre isso.
Presenciamos, atualmente, um cenário político conturbado devido as graves denúncias de corrupção direcionadas a atuação de alguns partidos políticos. Após a grande "calmaria político-popular" vivenciada após o movimento dos "caras-pintadas" em 1992, que resultou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo, as manifestações populares ganharam novamente as ruas, e o exercício do patriotismo parece ter voltado em cena. De um lado, presenciamos a positividade das manifestações, presente na maior participação popular na política nacional, mas, de outro, vejo alguns riscos que precisam, com urgência, sere conscientizados.
O Brasil conta, atualmente, com 35 (trinta e cinto) partidos políticos atuantes, sendo que nem todos tem seus nomes, siglas e legendas conhecidos pela maior parte da população. As denúncias que motivam as manifestações são direcionadas, em sua grande maioria, a um único partido. Como disse, a corrupção é sistêmica e está presente desde o descobrimento, informação suficiente para perceber que esse mal não é exclusividade e muito menos iniciativa de apenas um partido. Um maior aprofundamento na questão permite compreender que, por ser sistêmica, a simples sobrevivência política faz com que a corrupção venha a ser uma "virtude política" para qualquer partido, grupo ou movimento social que queira permanecer vivo na sociedade.
A rigorosidade de qualquer compreensão depende, dentre outras coisas, da capacidade de analisar um problema em todo o seu conjunto. A corrupção não é apenas política (refiro-me a Grande Política), mas cotidiana. Está presente nos pequenos atos tão frequentemente praticados no dia a dia por pessoas comuns, como furar a fila, sonegar impostos, e craquear softwares (poderia citar aqui uma série de outros exemplos, e ainda assim não seria capaz de citar todos). O mais engraçado é que, apesar de corruptos, a grande maioria desses comportamentos são vistos como atos insignificantes, de menor importância, e que não representam mal algum para a sociedade. O velho "jeitinho brasileiro", representado pela capacidade de agir com malandragem e cinismo perante vários fenômenos do dia a dia parece ser a maior e mais inteligente "virtude  do povo brasileiro", simples estratégias de sobrevivência diante de um sistema.
Por razões óbvias e já apontadas neste ensaio, afirmo sem o menor medo de errar que a corrupção não é exclusiva da política, e não teria porque os partidos políticos não se envolverem nela, já que estamos falando de uma simples "sobrevivência política no sistema". Por que então alguns partidos políticos se empenhariam tanto em denunciar as corrupções praticadas por outros? Não estão todos inseridos em uma mesma realidade? Algumas informações simplesmente não se encaixam. Lacunas estão abertas, e qualquer argumento que tente justificar a existência dessas lacunas tende a ser superficial e incoerente.
Sejamos diretos: todos os partidos políticos envolvidos nas denúncias e movimentos contra o Partido dos Trabalhadores são, de alguma forma, beneficiados politicamente por um eventual impeachment da Presidente da República e pela eventual prisão do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Não há exceções. Eis o primeiro motivo: todos estão envolvidos nas denúncias investigadas pela operação "Lava-Jato", alguns mais e outros menos. Um eventual impeachment ou uma eventual prisão é suficiente para desviar todos os holofotes midiáticos das denúncias que respondem, permitindo assim que ganhem tempo (tempo suficiente para que caiam no esquecimento ou até que as próximas eleições se aproximem). De fato, não há como negar que o impeachment e a prisão do ex-presidente Lula é interessante a todos eles.
Eis agora um segundo motivo para tamanho empenho desses partidos em denunciarem seu opositor: um dos maiores interessados concentra em suas mãos, pelo menos, as três primeiras posições na linha sucessória caso haja a realização do impeachment. Hipocrisias a parte, o impedimento da Presidente Dilma Rousseff é sim interessante para este grupo, sem contar que o segundo nome desta linha de sucessão está envolvido no maior escândalo de corrupção política já comprovado na atualidade. Há ainda alguma dúvida a respeito desse interesse?
Verdade seja dita: o partido mais envolvido (para não dizer "principal liderança") tem, nas manifestações populares pelo impeachment a realista e cruel oportunidade de vingança contra a derrota das últimas eleições presidenciais. Como afirma o velho ditado popular, "vingança é um prato que se come frio", e eu não consigo ver nada diferente disso.
O terceiro motivo que vejo para o tamanho empenho nas denúncias de corrupção está na visibilidade que tais denúncias oferecem para quem as pratica. Motivo que ultrapassa os partidos políticos e alcança nomes importantes do judiciário brasileiro. A vaidade é tamanha, que chega ao ponto de promotores citar, de maneira totalmente equivocada, nomes de importantes filósofos da história como argumentos para justificar um pedido de prisão preventiva. São os mais novos memes da internet, e nem é preciso ser um doutor em história da filosofia para perceber os erros cometidos. Qualquer pessoa iniciada em filosofia é levada a acreditar que os promotores em questão nunca leram Marx-Engels, Hegel e Nietzsche, pois, se tivessem de fato lido, não teriam cometido tamanhas gafes.
Quais são as lacunas ideológicas que estão por trás do cenário político atual? Seria o fortalecimento da própria corrupção, cinicamente dissimulada pelo mais variados interesses de sobrevivência política? Será o grito dos desesperados que não querem, de modo algum, pagar pelo que fizeram e, para isso, desafiam holofotes?
A participação popular na política teria um grande avanço se cada cidadão e cidadã refletisse sobre essas lacunas antes de pintarem seus rostos para ir as manifestações do dia 13 de março ou a a qualquer outro movimento futuro, independente de qual seja a causa defendida ou de quem seja a liderança empenhada.

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