O Gigante que não acordou sozinho.

A recente crise política presenciada neste território nacional mexeu com os brasileiros de alguma forma. Desde os movimentos populares pelo impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello,  testemunhamos certa calmaria popular nas ruas do país durante praticamente uma década. Passeatas e manifestações de rua ocorreram, mas sempre com causas e agentes mais específicos. Já os principais conflitos ideológicos e políticos ficaram mais restritos aos anos eleitorais.
Essa realidade mudou em 2013, quando presenciamos uma sequência de movimentos que ficaram conhecidos como "jornadas de junho". A grande novidade destes movimentos é que, embora iniciados por manifestações mais específicas (contra o aumento das passagens), em pouco tempo a participação dos brasileiros se agigantou. As massivas manifestações presenciadas nos anos 80 ("Diretas - Já") e 92 ("Caras Pintadas") ganharam novamente as ruas, mas agora com novidade: a grande complexidade das reivindicações quando comparadas aos movimentos anteriores.
Mesmo criticados por alguns por não apresentarem pautas mais específicas ou direcionadas e carentes de objetividades mais rigorosas, o mérito destes movimentos está no despertar da consciência política dos cidadãos e cidadãs brasileiros, há tanto tempo aparentemente adormecidas. Desde então, o cenário político brasileiro deixou de ser pacífico como vinha sendo, e as redes sociais protagonizaram novas formas de participação e organização popular.
As eleições de 2014 refletiram em cheio as manifestações de 2013, tanto no que diz respeito ao despertar dos brasileiros, quanto na pluralidade (e aparente falta de objetividade) presenciados nas "jornadas de junho". Há muito tempo que pouco se ouvia falar em "direita" e "esquerda", mas a realidade mudou desde então. "O GIGANTE ACORDOU", gritavam tantos manifestantes reunidos em numerosas multidões, mas, com ele, acordaram novos discursos e conflitos do passado.
Vivemos agora o auge dessa crise. Acompanhamos o processo de impedimento da Presidente Dilma Roussef, atualmente em exercício. Collor foi impedido de continuar Presidente da República em 92, mas o cenário era bem diferente deste. Em 92, o resultado do processo era quase um consenso não só entre políticos e sociedade. As Cláusulas Pétreas da Constituição recém-saída do forno não deixavam dúvidas nem dividiam tantas opiniões. 

Triste Realidade

Ao refletir sobre todo esse contexto, fiz um rápido passeio pela história do Brasil, e cheguei a alguns números assustadores. Temos, atualmente, 516 anos de história (considerando a contagem a partir do descobrimento), sendo, só de colônia, 322 anos. Contagem desanimadora, mas que não pára por aí. Considerando as etapas pós-colonização, passamos pelo Império para depois chegar a uma República conturbada e cheia de ruptas e descontinuidades. Considerando apenas as durações oficiais de etapa vivida, cheguei ao triste resultado de 459 anos de governos autoritários (com diferentes formas, roupagens e aparências, e vários grupos se alternando no poder, mas todos autoritários), e só 28 anos de história democrática (período que se inicia com a promulgação da atual constituição).
Vivemos, portanto, uma democracia muito jovem (principalmente quando comparadas as outras democracias conhecidas), ainda imatura e "cheirando leite materno". Algo parecido, talvez, como uma "adolescência rebelde", cheia de motivações e energias para querer "mudar o mundo", mas ainda sem aquele juízo necessário para agir de maneira sensata diante das decisões, característicos da maturidade. Deseja mudar o mundo, mas ainda não é capaz de limpar o próprio quarto (a casa então, nem se fala).
"Direita" e "Esquerda" se modernizaram com a nova geração, e ganharam (de forma distorcida) novos nomes: "Coxinhas" e "Mortadelas", em referência aos dois partidos políticos campões disputas eleitorais e alternâncias no Governo Federal. 
O que não dá para entender é que o Brasil é composto atualmente de 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (a maior parte deles conta com representação no Congresso Nacional), mas, de repente, a sociedade brasileira vive como se só existissem dois. Embora o Governo Militar tenha terminado em 1985, o bipartidarismo político da época parece ter resistido ao tempo, permanecendo vivo como nunca. Eis a novidade: se antes o bipartidarismo vinha dos militares, agora parece vir da própria sociedade. O risco de uma Guerra Civil é considerado por muitos.
Não foi só o bipartidarismo que parece ter sobrevivido ao tempo, mas a ditadura também. Se antes tínhamos uma ditadura vertical, onde todo poder de repressão e censura vinha do alto (isto é, do governo), vivemos agora uma ditadura horizontal; toda repressão e censura vem de baixo, da própria sociedade, disfarçada pela "liberdade de opinião". Divergências de opiniões e posicionamentos políticos dividem famílias, amigos, despertam brigas e até confrontos físicos com certa facilidade. Usar roupa vermelha ou amarela pode ser até perigoso.
Realmente, "O Gigante Acordou". Fez tanto barulho ao acordar, mas tanto barulho, que não acordou sozinho. Acordou vários fantasmas do passado, e não foram poucos. Vivemos hoje um contexto político com fortes semelhanças históricas que lembra não só o contexto vivido em 64, mas também a outros contextos vividos na história em diferentes locais. A briga entre "Coxinhas" e "Mortadelas", por exemplo, lembra diversos confrontos enfrentados entre as Juventudes "Hitlerista" e "Comunista", na Alemanha Pré-Nazista. Demonstrações de ódio desfilam abertamente pelas ruas, mas dissimuladas pelo discurso de "combate a corrupção". 
Afinal, qual será o futuro do país? Eis aqui uma pergunta praticamente sem respostas, e sem prazo para alcançá-las.

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