Salvem os jumentos

Embora enfrentada com maior força pelo Partido dos Trabalhadores, a crise atual não se resume apenas a esse partido, mas ao sistema político como um todo. A única diferença é que, por estar na linha de frente do sistema por um tempo considerável, o Partido dos Trabalhadores tem sido o primeiro partido a levar porrada. Outros partidos têm enfrentado crises semelhantes, com a diferença apenas de não serem tão noticiados e escandalizados pelos holofotes midiáticos.
Apesar das divergentes opiniões sobre o assunto, é preciso admitir que o problema é muito mais profundo. Longe de querer defender nomes ou orientações partidárias, é preciso fazer uma avaliação rigorosa não só da atuação deste ou daquele grupo, mas do sistema político inteiro. Convenhamos: o fracasso do PT não é do PT, mas do sistema propriamente dito. Estamos no século XXI, mas ainda vivemos a política do início do século XX.
Durante o encerramento da sessão que resultou no impedimento da ex presidente da República Dilma Rousseff no Senado Federal, não faltou quem criticasse o fatiamento da votação em duas etapas, uma para decidir sobre o afastamento definitivo, e outra para optar ou não pela manutenção dos direitos políticos de Rousseff. O que poucos perceberam é que o acontecimento resulta da atuação expressiva do poder legislativo, pouco ou quase nada valorizado em períodos eleitorais.
As eleições municipais finalizaram a menos de uma semana na maior parte dos municípios, e o mesmo erro foi cometido massivamente pelos eleitores: pouca ou nenhuma atenção a eleição do legislativo. Basta olhar para o descaso com que se vota neste ou naquele candidato: porque é amigo, apenas para "dar uma força", porque é conhecido, ou porque tem nome engraçado.
Perdi as contas de quantas pessoas me abordaram na rua durante o período eleitoral com a seguinte pergunta: "você já tem candidato?". Para piorar: "Olha, vota nesse cara aqui; ele é gente fina...". Ou seja, descaso total. Tipo, votar para prefeito é importante, mas, para vereador, qualquer um "tá" bom. Um a mais ou a menos não fará diferença, "o importante é votar."
O resultado é o que conhecemos: câmaras de vereadores totalmente eleita "nas coxas", poderes executivos municipais emperrados por falta de fiscalização, debates incoerentes, e projetos inadequados as realidades dos municípios. Se mais da metade dos vereadores não tem a educação básica completa, como podem votar os orçamentos anuais dos municípios e decidirem sobre repasses de verbas para saúde, educação, transporte, etc.?
Utilizo o exemplo dos vereadores para mostrar uma realidade ainda mais preocupante: o desastre total das eleições para deputados e senadores. Afinal, as sessões das câmeras municipais acontecem em nossos próprios municípios, facilmente ao alcance de nossos conhecimentos e participações. Mas, e as Assembleias Legislativas, Câmara e Senado Federal? Não estão ao nosso alcance com a mesma facilidade, e, quando estão, decepcionam muito além das expectativas anteriores. Quem não se lembra do "Show do horrores" apresentado pela Câmara dos Deputados na sessão que decidiu pela autorização do processo de impeachment em 17/04/2016?
Como diz o ditado, "não há nada tão ruim que não possa piorar". Há o Quociente Eleitoral como critério de proporcionalidade para eleições do legislativo. Nomes bem votados não são eleitos, enquanto nomes muito mal votados são empossados em uma cadeira. Exemplo disso é a Vereadora Amanda Gurgel (PSTU/RN), de Natal, segunda candidata a vereadora mais bem votada do município mas não eleita porque seu partido não atingiu o Quociente Eleitoral.
Não só o Partido dos Trabalhadores precisa avaliar sua atuação, mas os eleitores principalmente. Já o sistema político precisa ser reformulado por inteiro, e a primeira informação a ser revista é sobre a invalidade de votos brancos e nulos. Quase ninguém percebe, mas aqui há uma incoerência.
Se o voto é um direito, não votar em ninguém também deveria ser quanto a quantidade de candidatos é restrita a aquelas que os partidos nos oferecem. Tenho direito de votar, mas, e se nenhum dos candidatos estão, ao meu entendimento, a altura? Tenho que votar em alguém assim mesmo? Então é ditadura, e não direto! A não ser que haja uma opção de voto que caracterize validamente a rejeição de todos os candidatos, pois, sem essa opção, a liberdade de voto é apenas uma falácia. Não é mesmo?
Ao contrário do que muitos pensam, exclusão ou refundação do Partido dos Trabalhadores não é solução para os problemas atuais. Criminalização deste ou daquele partido muito menos. É preciso parar com esse imediatismo insano de pensar somente a solução, quando a causa real é completamente ignorada. Como li numa publicação que surgiu em meu facebook, "De que adianta ir para as ruas feito um leão, se continua a votar feito um jumento?". Mas, até quando vamos continuar injustiçando os jumentos?

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