Praticidade Consumidora e Cultura do "não pensar"
Somos todos influenciados pelo meio que vivemos. Não nascemos com uma
identidade já formada, mas a construímos em confronto permanente com
influências recebidas no convívio social.
Muitas são as influências que recebemos. Algumas resultam de questões naturais, que não estão diretamente sob o controle humano, mas certas influências são
estrategicamente elaboradas e de forma proposital. Buscam atingir objetivos concretos.
As
pessoas são diferentes e formadas a partir de origens diferentes. Não falam todos a mesma
língua, e qualquer possibilidade de comunicação não se concretiza se não vier acompanhada de certo trabalho que seja capaz de administrar conflitos e aproximar entendimentos.
Não há uma só cultura, mas várias culturas. Nenhuma identidade cultural é padronizada suficientemente para garantir a plena unidade entre indivíduos, seja no interior de uma mesma cultura, seja no entendimento várias culturas diferentes. Conflitos são inevitáveis, pois nada é mais complexo que a construção de valores comuns a pessoas diferentes (em todos os sentidos) numa mesma coletividade.
Ainda assim, não estamos diante de uma regra inquebrável. No capitalismo, certos objetivos só são alcançados se o
poder de influência atingir a todos, o que significa
neutralizar poderes individuais de resistência e anular diferenças pessoais.
Por tratar de uma cultura mediada pelas relações de mercado e de economia predominantemente industrial, a necessidade de estabelecer hábitos de consumo se faz urgente para o fortalecimento da economia. Não há produção lucrativa se não houver mercado consumidor, e nenhum mercado pode se crescer se não for motivado pela expansão do consumo.
Massificação da Sociedade
Várias são as estratégias para estabelecer hábitos consumistas, mas há uma que merece atenção especial: a produção da linguagem. Não qualquer linguagem, mas uma linguagem simples, acessível a todos, desprovida de qualquer complexidade científica, religiosa ou filosófica, e que não apresente dificuldades ou resistências em seu processo de absorção. Se compreensões, valores e símbolos adotados
por diferentes pessoas no cotidiano são de grande complexidade e geram inúmeros conflitos, a ordem é
simplificar.
Cria-se uma linguagem comum, que possa ser facilmente
assumida, memorizada e reproduzida por todos, mesmo que não seja percebida pela grande maioria. Não importa se sua aprendizagem é voluntária ou inconsciente; o que realmente importa é que ela cumpra o papel para o qual foi criada: nivelar o entendimento dos indivíduos e fazer com que todos vivam os mesmos valores. O nome disso é massificação.
Padronização e consumo
Exemplos de fácil compreensão para compreender como ocorre o processo de massificação da sociedade são as "frases de ordem" presente nos diferentes projetos publicitários atualmente existentes. Praticamente toda
propaganda, publicitária ou política, apresenta um slogan que é
repetido em todas as suas exposições. Muitas são escritas na segunda
pessoa do singular para criar no telespectador a ilusão de que estão
falando diretamente para ele e com ele. Com frases
curtas e de fácil memorização, algumas marcas utilizam os mesmos slogans
publicitários há décadas, e nem por isso deixaram de fazer sucesso.
Imagine esses slogans associados a marcas (estampadas na forma de
figuras, desenhos, ícones, e logomarcas). Se a memorização dos slogans já é
fácil, a identificação por marcas dispensa até mesmo a necessidade de memorização. A
marca, por si só, torna a atividade automática, involuntária e inconsciente. Leva pessoas a repetirem e reproduzirem marcas, padrões, slogans, frases de ordem e
comportamentos de forma automática, semelhante a robôs programados para repetir discursos e opiniões, ou a papagaios acostumados a repetir tudo o que ouvem sem o menor
critério.
A
longo prazo, o efeito é devastador. Frente a extrema praticidade
cotidiana, há uma tendência para que não haja mais a necessidade de pensar. Tudo é prático, imediato, automático, e
circula na velocidade do tempo real. Respostas prontas são encontradas com a maior facilidade e ao alcance de um clique. Prevalece a lei do mínimo esforço.
Para que pensar e empregar esforço se há vários atalhos que dispensam essa necessidade?.
Linguagens se simplificam de tal modo, que músicas passam a ser compostas apenas de batidas (em muitos casos, melodias são simplesmente substituídas "batidas") padronizadas, com versos exaustivamente
repetidos, refrões monossilábicos, arranjos e efeitos especiais em excesso. Semelhantes aos slogans
publicitários, são facilmente memorizadas e reproduzidas na mente de qualquer pessoa. Mesmo não gostando, "tocam nas cabeças o tempo todo".
Não
há diferenças ou originalidades pessoais que sobrevivam a "bombardeios de praticidade". Mas
essa é uma característica que prevalece o tempo todo em sociedades
consumidoras. Se a economia é industrial e empresarial, depende
exclusivamente do consumo para sua expansão. Se as pessoas forem
autênticas e originais, talvez não tenham tanta necessidade de consumir, o
que compromete a economia, gera recessão e desemprego. Por outro lado, quanto maior a praticidade,
mais prevalece a lei do mínimo esforço, e mais consumidoras as pessoas
serão, mesmo que não necessitem realmente do que consomem. Para ser mais
franco, talvez nunca venham saber se realmente necessitam de tanto
consumo.
Esse é apenas mais um dentre tantos dilemas presentes no mundo atual.
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