Paradoxos de "La Bête"

A performance do artista Wagner Schwartz no Museu de Arte Contemporânea (MAM) de São Paulo no dia 26/09 causou grande repercussão na rede mundial de computadores, e fez lembrar da polêmica exposição "Queermuseu", promovido pelo Santander em Porto Alegre/RS.
Ambas as exposições têm em comum fortes críticas feitas por internautas após parte de seus acervos serem expostos nas redes sociais. Muito se escreveu desde então, e nunca se debateu tanto sobre os limites da arte como nos dias atuais.
Não há nenhuma novidade no fato de produções artísticas serem inspiradas por questionamentos e paradoxos da sexualidade, mas a repercussão gerada por esse tipo de obra é realmente inédito.
Peças que envolvem nudismos são relativamente comuns, e muitas exerceram grande importância para estimular a crítica social. Destaque para duas performances: a peça teatral "Navalha na Carne" (1967), de autoria do brasileiro Plínio Marcos (censurada pelo Governo Militar), e a performance Rhythm 0 (1975), da artista sérvia Marina Abramovic. Na ocasião, ela permaneceu durante um bom tempo totalmente nua a disposição do público e, ao seu lado, uma mesa com 72 ítens dos mais variados; entre eles, um machado, um revólver, e uma bala de munição.
Já no campo do pictorialismo, destaque também para o pintor espanhol Francisco de Goya (1746-1828), que produziu obras como "A maja nua" (1795-1800), e "Saturno devorando um filho" (1819-1823). Do artista italiano Sandro Botticelli (1445-1510), "O nascimento de Vênus" (1485?) é outra conhecida obra que expõe condições de nudismo. Há ainda outras milhares de obras que não convém citar aqui neste artigo para não torná-lo muito extenso.
O presente histórico revela que nudismos e episódios que envolvem crianças são presenças de longa data na produção artística. Por que então a exposição "Qeermuseu", do Grupo Santander, e a Performance "La Bête" despertaram tanta repercussão, ao passo que todas as obras citadas neste artigo não chegaram tão longo? A resposta é uma só: internet.
O trabalho de Wager Schwartz foi realizado no interior de um museu. O público da performance, como pode ser notado, é um público, "selecionado", haja vista que não são todas as pessoas que têm o hábito de frequentar exposições e mostras culturais. Não é questão de elite, pois nem todos que representam a elite brasileira têm "gosto artístico" suficiente para frequentar museus, teatros e exposições com frequência. Poucos têm esse hábito. Falamos, portanto, de um público restrito que não é qualquer público; há um mínimo de "gosto pela arte" (a expressão é citada entre aspas por caber diferentes interpretações). Conforme apontado pela curadoria do museu, a performance era realizada em espaço reservado, com avisos e advertências dispostos na entrada para informar os visitantes sobre o teor da peça. Os visitantes não estavam inocentes do que aconteceria naquele espaço.
A repercussão surgiu depois que um vídeo contendo a gravação foi publicado nas redes digitais. Na gravação, uma mulher e uma criança interagem com a performance e tocam o artista. O que há de mal nisso? Se consideramos que os visitantes estavam informados do teor da peça e, segundo informações da curadoria do museu, as personagens que aparecem no vídeo são mãe e filha, nada há de errado nisso. Não estamos falando de uma situação em que as pessoas são coagidas ou induzidas a fazer algo, e sim de uma exposição em que as pessoas são convidadas a interagir se e somente se sentirem a vontade para isso. Se a criança interagia acompanhada de sua responsável legal, que também interagia com a peça, para que tanto alarde?
Contudo, a exposição do vídeo nas redes sociais expõem o acontecimento a um público ilimitado e totalmente irrestrito. Se o museu costuma receber públicos supostamente selecionados, a exposição na rede alcança públicos quaisquer sem o menor critério o rigor. Pode-se se dizer que as reações do público no museu são reações minimamente previsíveis por serem perfil relativamente conhecidos, totalmente diferente da internet.
Caberia aqui perguntar: a irresponsabilidade do ato estaria realmente na realização de uma performance onde uma criança interage com um corpo nu, ou na exposição indevida de imagens, sem o menor critério ou rigor crítico? Os autores do vídeo alegam rejeitar a performance por acreditar que a mesma faz apologia a pedofilia, mas não hesitam em praticar aliciamento de menores ao expor de maneira inescrupulosa e sem autorização imagens de incapazes para fins de promoção política.
Vale lembrar que os responsáveis por promover tamanho blá blá blá nas redes sociais a respeito da exposição do Museu de Arte Contemporânea são os mesmos responsáveis por provocar todo o forféu que acompanhamos a respeito da exposição Qeermuseu, promovida em Porto Alegre pelo Santander. Esse é um dentre os vários motivos pelo qual a autorização da presença de câmeras fotográficas ou smartphones com câmeras de alta resolução deveria ser melhor avaliada em locais como esses.
Afinal, qual são os limites éticos e morais da exposição de imagens alheias em veículos de grande alcance, como é o caso das redes sociais?


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